terça-feira, 10 de julho de 2012

Conto "Casa da Rua 33"



Este conto começou a ser escrito no dia 26 de junho de 2012 e encerrou no dia 06 de julho de 2012.


Uma antiga casa que pertenceu a uma família por 4 gerações pode guardar muito mais que apenas boas lembranças...







Essa é uma grande semana para Francesca, minha prima. Ela vai finalmente vender a casa da família, que pertence aos Boufinere há 4 gerações. Ela cresceu lá, morou naquela casa desde que nasceu até se casar, há uns 2 anos, que foi quando a casa ficou abandonada. Mas ela não era assim não, era linda, todos queriam comprar a casa, só que a Francie não queria vender, pois estava esperando o local valorizar.
Uma pena que o destino pregou uma peça e em vez de valorizar, a casa só fez se arruinar e o pior de tudo, é não saber quem está fazendo isso. O papel de parede foi arrancado, as portas e janelas foram quebradas, a ferrugem tomou conta de partes que nós nem sabíamos que poderiam enferrujar - e não adianta ajeitar, os vândalos voltam e deixam a marca deles de novo. Depois de gastar muitos mil tentando arrumar e colocando segurança, a Francie desistiu e tentou vender por vários meses, só que ninguém queria mais a casa, pois além de estar velha, alguns alegavam não se sentir bem dentro do imóvel. Já havíamos perdido as esperanças quando uma empresa apareceu para comprar a casa - só que para destruí-la, pois vão fazer um shopping no lugar.
Nós, é claro, ficamos com pena de derrubar a casa, que foi fruto de tantas histórias, lugar de tantos acontecimentos bons para nossa família...
Bem... O dinheiro oferecido por ela é bom... E não iríamos conseguir vender de outro jeito, então, essa era a solução.
Enfim, Francie e o marido dela, Tomás, vão começar a resolver os papéis para dar o adeus definitivo à casa e eu vou junto me despedir.




---
Acordamos cedo, Francesca estava estranhamente animada para visitar a casa. Ela disse que teve um sonho em que a casa estava nova e cheia de gente, nossos avós, que já morreram, estava sentados na varandinha fumando charuto e tinha biscoitos pra lanchar. Ficamos por uns minutos relembrando de nossa infância e de como era bom brincar de esconde-esconde, lá haviam muitos lugares "secretos" para se esconder - e incrivelmente, quase nenhum adulto sabia desses espacinhos.
Acabamos os dois cheios de saudosismo e entusiasmados para voltar à casa da rua 33...
Estamos no carro indo pra lá agora...




---
Chegamos na casa, uma brisa fria fazia as árvores se mexerem lentamente. O mundo parecia em câmera lenta. Ficamos parados olhando a casa, olhei pra Francie, vi que ela estava triste por deixar para trás toda a história da família, aquela casa é especial.
Fomos caminhando em direção à porta, o rangido da madeira da varanda estava mais alto, não havia mais fechadura e o interior da casa parecia mais escuro do que antigamente. Forcei um pouco a porta, que estava pesada por causa da umidade, e chegamos à sala principal.
Essa sala parecia ser maior quando éramos mais novos, talvez seja porque tem um monte de tralha e madeiras podres caídas no chão. Achamos uma fotografia pendurada na parede, o vidro da moldura estava rachado e havia muita poeira, mas depois de um assopro, conseguimos identificar a foto da Francie com a mãe dela na escada que dá para o quintal da casa. "Como essa foto permaneceu na parede? Até o papel de parede caiu e isso continua aqui?" Francie perguntou pra mim e eu dei de ombros - como entender isso? Confesso que fiquei assustado.
Comecei a relembrar de quando ficamos presos no armário da cozinha e nosso primo mais velho nos deixou lá por 2 horas. Rimos da situação agora, mas foi desesperador ficar lá dentro, principalmente porque era possível ouvir uns barulhos esquisitos que a casa fazia, como estalos altos debaixo do chão e uns rangidos entre as madeiras da parede.
Estávamos conversando e apontando para os cantos quando uma melodia nos interrompeu...






---
"Você tá ouvindo isso, Pietro? É a minha caixinha de música! Nossa... Faz uns 5 anos que não ouço essa canção..." Francie falou com a maior naturalidade, como se tivesse sido eu quem ligou a caixinha de música. "Francesca, quem ligou isso? Esse som tá vindo lá de cima, será que tem alguém lá?" perguntei, ficamos assustados e resolvemos subir pra ver quem estava lá... Para nosso espanto, não havia ninguém além de nós na casa...
Filmei enquanto subíamos, não deu pra pegar a caixinha de música que estava no cantinho, perto da porta, tocando sozinha...










---
Francie pegou a caixinha de música e viu que estava muito empoeirada, não havia marca de dedos. Não consigo explicar aquilo, como um objeto que estava perdido há anos aparece naquela casa e começa a tocar do nada? "Não é nada não, primo. Vai ver ele tava com a corda presa... Não vamos nos preocupar com isso agora, né? Vem, vamos pra casa... Vamos que eu acho que vai chover..." mal ela terminou de falar e ouvimos uma porta bater fortemente, causando alguns estalos pela casa toda. Achei que fosse o vento, mas nós descemos e corria apenas um ventinho leve e frio pela casa - nada de vento forte. Fui tentar abrir a porta - que por acaso era a porta da frente - e ela parecia estar trancada. "Alguém trancou a gente aqui?" falei enquanto corria para as portas dos fundos - e vi que estava trancada também. Francie ficou estática, olhando para a caixinha de música (que continua tocando a musiquinha), ela parece não estar ligando para a situação... Eu não sei o que fazer... Tento sair pela janela ou ligo para a Polícia?





---
Liguei para a polícia, disse que estava preso dentro de uma casa e quando estava explicando a localização, a ligação caiu. Tentei refazer a chamada, mas dava fora de área. Comecei a ficar realmente nervoso e vi que não encontrava mais a Francesca. Procurei nos quartos, nos banheiros e não achei, nem aos meus gritos ela respondia!
Porém, conseguia escutar aquela caixinha de música...
Parando pra observar, consigo entender que o som dela está vindo de debaixo do chão... Procurei a fonte, e acabei chegando no armário da cozinha, que estava entre-aberto. "FRANCIE?" minha voz ecoou no armário... Mas como assim, ecoou? Esse lugar nunca foi grande! Coloquei o braço dentro e vi que não havia mais chão naquele armário. O grande buraco me sugou e eu cai de uma altura, eu acho, de mais ou menos 3 metros.
Continuei ouvindo aquela musica mas não via absolutamente nada.
Fui surpreendido por uma luz distante, fraca, mas que parando para olhar bem, parecia mostrar o rosto de alguém... É a Francie!
Comecei a correr em direção a ela e quanto mais eu corria, mais longe ficava.
"O que é isso?? Por que estão fazendo isso com a gente??" gritei desesperado.
Uma luz forte reflete numa parede de madeira e nela estava escrito em vermelho: "Ela não vai embora.".
Mas espere aí, isso é sangue??





---



Comecei a gritar o nome da Francie mas parecia que ela não me ouvia, corri em sua direção e acabei caindo e simplesmente apaguei. Acordei não sei quanto tempo depois deitado no chão da sala, a porta da sala estava aberta e eu só conseguia ouvir o barulho do vento passando pelas frestas da madeira. Gritei pela Francesca de novo, e não ouvi resposta. Aproveitei que a porta da casa estava aberta e saí correndo, vi que o carro dela ainda estava lá fora então pensei que ela provavelmente ainda não tinha saído da casa, me virei para voltar e a porta já estava fechada. Meu coração acelerou e quando eu olhei para o sótão, vi isso que vocês podem ver na foto... Consegui ver uma mão! Será que é da Francie??




---
Liguei para a polícia e eles disseram que estavam enviando um carro da patrulha para cá. Esperei alguns minutos e foi quando ouvi um grito vindo de dentro da casa e logo após, vi na janela do sótão um luz fraca, parecida com a de uma vela, ser acesa. Não consegui esperar e tentei entrar de novo na casa (e consegui, através da porta dos fundos). Só que eu cheguei aqui no sótão e a única coisa que tem é "ela não vai embora" escrito na janela. Tem dois policiais lá embaixo, chamando por mim, mas por mais que eu grite, eles não me ouvem!!
Tive uma ideia, mas não sei se é boa... Talvez seja idiota demais... Eu acho que vou procurar a Francie nos esconderijos da casa, mas se eu for, talvez não volte mais, pois parece que essa casa não quer que minha prima vá embora... Bem, é isso! Ou eu vou procurá-la ou nunca mais a acho!
E agora?





---
Bom, não tenho mais como ficar aqui parado enquanto essa casa maldita engole minha prima. Preciso fazer algo.
Fui em todos os esconderijos secretos da casa (incrivelmente só conseguia ouvir o barulho da minha respiração e o rangir da madeira quando eu andava) até que começou a tocar novamente a caixinha de música da Francie - e vinha de lá do sótão. Subi correndo, engoli seco e com o coração acelerado... E quando cheguei não encontrei nada. Foi aí que lembrei que tem um lugarzinho apertado entre o teto e o telhado que a prima costumava ficar quando estava assustada. Como ela subiu ali sem a escada? Eu não sei! Mas sei que vou pegar algo para subir ali! Continuo gritando por ela, mas só ouço aquela música assustadora e o rangir das madeiras...





--- 
Essa cena se repete...








---
 Cheguei no sótão e percebi que a música estava realmente mais alta e parecia estar em cima de mim - ela só podia estar ali! Comecei a gritar pela prima e a dar pulos para chegar no teto (que não é tão alto, eu que não sou tão grande) quando comecei a ouvir pancadas na porta da frente. "Devem ser os policiais" pensei. Olhei pela janela e já não via mais o carro da polícia, o que me intrigou. Desci correndo e quando cheguei na porta da frente ela estava aberta e, acreditem, no chão da varanda, bem de frente pra porta, estava a caixinha de música, sozinha, tocando a música desafinadamente...






---
"QUEM ESTÁ AÍ? HEIN? ME RESPONDE!!" gritei em vão. Uma força sobrenatural me empurrou pra fora da casa e a porta se fechou sozinha. Não!! De novo não!! Um estalo forte veio de dentro da casa e eu vi pela janela pedaços do teto cair. Essa coisa tá se auto-destruindo?! Peguei a caixinha de música e joguei pela janela - quebrando o vidro - e quebrei o resto com um pedaço de madeira que caiu próximo a mim. Entrei mas acabei cortando minhas mãos, que começaram a sangrar, mas eu não tenho tempo pra me preocupar com cortes agora, a Francie tá correndo perigo! Subi as escadas correndo (quantas vezes essa cena já se repetiu hoje?) e encontrei a porta fechada. Gritei o nome da prima várias vezes, mas o barulho das madeiras caindo no chão pareciam ofuscar meus gritos. De repente o chão se abriu (sim, simplesmente se abriu!) e fui puxado pelo buraco para o que parece um matadouro (por causa do cheiro), esse esconderijo secreto eu não lembro de existir. Usei o celular para iluminar em volta e meu coração se partiu quando vi a cena... Minha prima deitada no chão, imóvel. Não consegui falar nada, só chorei e a abracei - e a caixinha de musica começou a tocar novamente.





---
"Prima? Por que aconteceu isso contigo?" falei baixinho, próximo ao corpo dela, enquanto eu ouvia a casa desmoronar e a caixinha tocar. Mas que droga de caixinha!! Peguei aquela coisa e joguei na parede, o que deixou o objeto em pedaços - e ainda tocando. Me agachei num canto e comecei a chorar, quando ouvi um barulho diferente vindo de cima, parece alguém perguntando se tem alguém aqui embaixo! Mas é claro!! Comecei a gritar e a pessoa abriu um espaço no teto (que é o chão, na verdade) e eu vi que era o marido da Francesca. "Peraí que eu vou te ajudar!" ele foi e voltou depois com um pedaço de madeira no qual eu consegui me agarrar.
Estava subindo quando senti algo puxar o meu pé!
Será a Francie?!
Ouvi um grunhido e uma voz macabra falando "ela é minha", meu coração acelerou e olhei pra baixo.
NÃO ERA A FRANCIE!!! E ISSO NÃO PODE ESTAR VIVO!!




---
Puxando meu pé estava o que parecia ser uma terrível mulher sem rosto, apenas uma boca. Chutei-a como pude mas ela se prendeu a mim e subia em meu corpo, me apertando tão forte que parecia que ia parar a circulação das minhas pernas. Gritei pro Paulo me subir logo, fiquei desesperado, sentia aos poucos que minha vida estava se esvaindo naquele buraco. Depois de muita luta consegui finalmente consegui me livrar "daquilo" e cheguei à superfície. "O que foi que aconteceu, Pietro?? O que era aquilo? Cadê a Francie?" eu estou chocado demais para responder essas perguntas... E agora só há ruínas no que era a casa que pertenceu a nossa família por várias gerações...
Francie... Cadê você, prima..?
Do meio das ruínas ressurge o som da caixinha de música.




---
"Acorda, Pietro! Acorda! Nós já chegamos! Vamos lá..." ouvi a voz da Francie... Me acordando!!
"FRANCIE! Você está bem!" é claro que ela estranhou eu ter falado isso, eu apenas tinha cochilado no caminho entre o apartamento dela e a casa da rua 33.
Estou aliviado de que tudo isso era só um pesadelo! Ufa!
Espero que nada parecido aconteça na minha vida real...
Bem, chegamos aqui na casa, ela está exatamente como na foto - e no sonho - totalmente devastada.
"Que coisa, né primo? A gente já brincou tanto de se esconder aqui... Nossa infância toda..." Francie parou um pouco, olhou ao redor, as ruínas mascaram o que já foi um lar.
Mas... Espere aí... Estou ouvindo algo...
"Ã? Mas como assim? Pietro, você trouxe minha caixinha de música pra cá?"




Um comentário: