terça-feira, 3 de julho de 2012

Conto "Vizinho do lado"



Este conto começou a ser escrito no dia 22 de maio de 2012 e encerrou no dia 31 de maio de 2012.

Após um trágico acidente de carro, uma mudança para um apartamento antigo e um segredo mortal, a vida desse casal nunca mais será a mesma.




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Não sei o que está acontecendo... Meu marido está demorando demais de chegar em casa... Não gosto que ele chegue tarde, a vizinhança aqui é perigosa, de vez em quando acontece um assalto aqui perto. Minha vontade mesmo é de me mudar daqui...!

 


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Essa semana estivemos olhando uns locais para nos mudar. Estamos cansados de viver escondidos dos bandidos! Vimos uma casa linda no centro antigo. Uma boneca! Toda renovada, espaçosa, conjugada com outra. E por um preço bem acessível... Hmmm, que vontade de ir pra lá! Soube que tem patrulhas a noite toda naquela rua. Também, tem que ser! A rua é bem escura...



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Acabei de receber uma ligação!! ESTOU EM ESTADO DE CHOQUE!! Meu marido acabou de se acidentar na rodovia! :(((
Peguei uma carona com um vizinho e estou correndo para encontrá-lo!!! EU NÃO QUERO PERDÊ-LO!! torçam por mim!!
 

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Estou aqui no hospital com meu marido, estou aliviada pois ele não teve graves consequências... Quebrou a bacia e um braço, mas não corre nenhum tipo de risco!
Infelizmente, o motorista do outro carro, que bateu de frente com ele, não conseguiu sobreviver... O Hugo, meu marido, falou que viu o senhor do outro carro gritar horrendamente antes de morrer, ele disse que nunca tinha visto tanta dor, tanto desespero... Mas também, o homem estava com a massa encefálica exposta em uma parte da cabeça... =(
Ficarei toda a noite ao lado do Hugo aqui no hospital... No último cochilo, após os analgésicos, ele estava gritando muito, gritos desesperados, chegou a chorar dormindo! Fiquei assustada!
Estou cansada... Espero que essa noite acabe! Ela parece não ter fim!!!





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Hugo está sob efeito de sedativos neste momento... Ele teve convulsões durante a noite e alucinou, disse que viu o homem do acidente segurando uma criança no canto do quarto... Essa noite foi angustiante! =/
O médico me falou que ele pode estar em estado de choque ainda, e como ele tem histórico de convulsões, é um quadro normal para ele, até por que ele não tinha tomado o remédio controlado dele na última noite por causa do acidente.
De qualquer maneira, fiquei um pouco assustada com a descrição que ele fazia do homem e da criança, não parecia uma alucinação...



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Me ligaram da corretora, perguntaram se eu vou querer alugar aquela casa lá no Centro, apareceu um casal interessado também... Estou bastante cansada e preocupada com meu marido, que está sedado desde cedo, mas quero fazer isso por nós, fazer uma mudança de vida! Será que eu devo alugar aquela casa? Se eu não fizer agora, talvez não ache outra igual...





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Ontem foi um dia corrido!
O Hugo está se recuperando bastante bem, parou de gritar enquanto dorme e não teve mais convulsões. Fui na corretora e fechei negócio, consegui resolver tudo ontem mesmo... Peguei a chave e fui dar uma olhada no apê, tudo lindo! Falei com uma faxineira e ela vai limpar tudo hoje.
Vou providenciar a mudança e o Hugo vai daqui do hospital direto pro nosso lar novo e nem sabe! hahaha!!
Estou animada! Finalmente coisas boas acontecendo.
Na foto, nosso quarto, ainda vazio.



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Chegamos em casa, o Hugo ficou bastante surpreso, mas quem teve a maior surpresa fui eu... Ele ficou se sentindo muito mal quando chegou aqui, falou que não gostou de se mudar pra lá..
Estou arrasada, ele tinha adorado o apartamento quando o vimos da outra vez! :(
Espero que tenha algo a ver com o choque do acidente ainda...
Perguntei pra ele por quê ele não gostou de ir pra cá e ele disse: tem algo de muito estranho nesse lugar, eu sinto isso!




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O Hugo está dormindo no quarto, está um pouco inquieto, mesmo com os calmantes, ele ainda está um pouco agitado durante o sono. Fiquei arrumando a cozinha e resolvendo coisas do seguro do carro.
Não sei porque, mas acho que o meu marido está escondendo algo... Algum sentimento de culpa...
Será que devo perguntar? Tenho medo de que ele esteja ainda meio abalado com tudo isso e fique irritado..

 



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Ok, essa noite foi muito estranha!
Primeiro, jogaram uma pedra aqui dentro de casa, quebraram o vidro do quarto.
Depois, o Hugo se irritou por quê eu pedi pra ele abaixar o volume do computador pois eu estava no telefone - isso foi estranho porque geralmente é o oposto.
E pra completar, o vizinho do lado fez muito barulho... A rede dele estava fazendo aqueles rangidos altos e ainda tinha essa criança que ficou correndo pela casa de madrugada. Que irresponsável! Tinha gente querendo dormir... Espero que essa barulheira não continue.


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Conversei com ele... Bem, eu tentei, pelo menos...
O Hugo nunca foi de se abrir muito comigo, apesar de ser um cara muito responsável, carinhoso e amável, ele demora de me falar algo muito profundo - e quando fala, é como se falasse em códigos.
A conversa foi mais ou menos assim:
-Você tá bem? Tá com dores? Teve pesadelos? - eu disse calmamente, fazendo carinho no cabelo dele.
-Eu pareço estar bem? Acho que não estou... Meu corpo dói, mas meu coração dói mais... - e ele derramou uma lágrima pelo canto o olho.
-Amor, essa dor no coração, tem algo a ver com o acidente?
-Sim.
-Você quer me dizer algo? Algo que você ainda não contou?
-Não... Não agora... Nem sei se devo. Talvez um dia, se ele for embora...
-Ele quem? Amor, nós estamos sozinhos. Não tem ninguém além de mim com você aqui no quarto.
-Aqui no quarto é verdade, mas ele está mais perto do que imagina.

Não quis insistir nessa besteira de visões de coisas ou pessoas de outro mundo... O Hugo está perturbado e quer me levar junto, mas eu tenho que ser forte...
Mesmo com uma parte de mim tendo calafrios só de pensar que o que ele está falando pode ser verdade...




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Já se passaram dois meses desde que nos mudamos para este apartamento e as coisas não estão nada bem.
O Hugo se recupera bem, saiu da cadeira de rodas mas nossa relação tem se desgastado bastante. O que quer que tenha acontecido naquele acidente mudou ele para sempre! E ele continua insistindo que tem algo de errado no apartamento e que quer sair quando tiver dinheiro.
Além disso, tem surgido um mofo terrível nas paredes do apartamento, o que era novo e uma "boneca" está se tornando um pesadelo... Já vieram vários pintores e encanadores pra ver isso mas eles sempre dizem que fisicamente está "tudo bem"...
E para completar, tem o vizinho do apartamento conjugado que tem feito barulhos constantemente! Acho que se a coisa continuar assim, vou ter que ir lá falar com ele. Isso é, se eu conseguir achá-lo, por que eu nunca o encontro em casa.
Que rumo é esse que as coisas estão tomando...?




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O Hugo me disse que ia me provar que tem alguém com a gente e tirou uma foto... Eu duvidei... Melhor se não tivesse duvidado.
 

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Depois de uma longa dose de desespero e olhar pelos cantos da casa com uma lanterna, conversei com o Hugo e resolvemos sair daqui, pelo menos essa noite.
Amanhã voltaremos e vamos decidir o que fazer.
Só de olhar aquela foto de novo e imaginar que aquelas... coisas... podem estar por aqui, atrás de mim, me observando... Me dá calafrios.




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O que estou mostrando agora parece algo inacreditável.
Não, não estou acreditando no que estou vendo, sinceramente.
Essa é a situação do nosso apartamento, hoje, depois de passarmos a noite fora.
Tudo destruído, um furacão de ódio e fúria devastou nossa casa e tudo o que tínhamos... Parece que ela está inabitada há anos! O que aconteceu?
Estou desolada...






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Depois daquela cena estarrecedora no apartamento, voltamos e investigamos o que houve. As portas de entrada e as janelas estavam intactas, ou seja, ninguém arrombou. Todas as cópias das chaves foram entregues para nós, que nós saibamos. Todos os objetos estão no mesmo lugar, nada foi roubado.
Seja lá quem ou o quê entrou aqui, foi só para destruir e nada mais.
Hugo falou que não vê mais o homem aqui, mas sabe que ele está perto... Estou sempre achando que ele está ao meu lado, com aqueles olhos profundos e assombrosos me olhando...




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Já falei do vizinho aqui do lado e da barulheira que ele fazia, que parecia que era dentro do apartamento de tão alto... Pois bem, ele tava fazendo esse barulho de novo e eu capturei...
Amanhã vou tomar providências sobre isso... Se é pra sair desse apartamento infernal, que eu consiga descobrir logo quem é que fica fazendo esses ruídos insuportáveis!





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Decidi ir no vizinho pra avisá-lo da barulheira que ele anda fazendo, incomodando todos à sua volta.
Mas, como nada tá fácil na minha vida ultimamente, estou presa à um dilema. Cheguei na porta dele, que parece estar mais velha do que todas as outras, e na hora que bati, vi que ela estava aberta, para minha surpresa. Pelo pouco que vi pela brecha, notei uma atmosfera obscura e fria dentro desse lugar, chegou a me dar um calafrio.
E agora, entro ou não?


 

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Estou entrando agora no apartamento... Hugo está comigo e disse que se tem algo de errado por aqui, com certeza está nesse apartamento! Não sei como estou de pé!!



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 O Hugo disse que está vendo a criança!!



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A criança está olhando pra nós, parada... Seus olhos são negros e não vejo respiração naquele corpo... Estou apavorada...
Hugo está falando com ela, perguntando quem era ela, por que está ali sozinha, mas ela só faz nos encarar.
Sinto meu coração batendo, meus dedos estão formigando, acho que vou desmaiar se não sair daqui logo!


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O silêncio da criança foi quebrado por um longo e estridente grito e em poucos segundos ela se levantou e correu em nossa direção!
Essa foi a última foto que bati antes de correr pra sair dali.


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Saí correndo do apartamento e quando chego na escadaria do corredor, percebo que o Hugo não está comigo.
Já o chamei, mas não ouço nenhum som!! E agora??
Ele está lá dentro do apartamento! E eu estou sentindo meu coração sair pela boca, estou desesperada!!





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Estou voltando pra ver onde está o Hugo...
Na sala não há nada, não consigo mais ver aquela criança.
Um vento gelado está passando por minha pele e eu começo a sentir um cheiro de carne putrefata...
Olho para o corredor e percebo uma porta entreaberta balançando lentamente...
Me aproximo devagar e olho para dentro do quarto... Meus olhos não conseguem acreditar no que vejo...


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Hugo está ajoelhado, com a cabeça encostando no chão, ouço gemidos baixos... Ele está em prantos...
E perto dele está o corpo de uma criança, os restos mortais do que parece ser aquele menino que estava na sala.
Estou em choque, não sei o que falar...
Hugo percebe minha presença e fala:
"Foi minha culpa, eu devia ter feito alguma coisa, ele me avisou..."


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"Como assim foi culpa sua?" Perguntei.
E o Hugo se acabava em prantos.
Ficou assim por um tempo, acho que uns 5 minutos e o cheiro de carne podre me fez sair do apartamento. Como eu nunca senti aquele cheiro antes?
Ainda estou confusa e estou ligando para a Polícia.


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A Polícia chegou, já chegaram bastantes curiosos e o Hugo está aqui na cozinha bebendo água com açúcar. Ainda não disse uma palavra. Eu estou abalada, não sei o que pensar. Como assim foi culpa dele? COMO ASSIM??




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Fui acompanhar o trabalho da Polícia e olha só o que descobri!
O garoto encontrado no apartamento tem probabilidade de ter sido sequestrado a 3 meses por Antônio Taveira. Esse nome não me era estranho, então liguei para um amigo meu da seguradora do carro e tirei a dúvida. Antônio Taveira foi o cara que morreu no acidente de trânsito em que Hugo se envolveu! Mas por que foi culpa do Hugo a morte daquela criança?? ELE SABIA???




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Eu estava sentada próximo à janela, olhando os policiais saírem com o corpo do garoto e o Hugo pegou uma cadeira, sentou de frente pra mim e começou a falar.
-Amor, agora eu vou falar... Me desculpe por ter te ocultado por tanto tempo isso que eu vou te dizer, mas foi porque eu quis te proteger. Naquela noite do acidente, logo depois que o carro do outro cara bateu no nosso, eu vi a agonia do homem, os últimos momentos dele. No meio dos gritos de dor, ele implorava "cuida do menino, cuida dele, cuida do menino, ele vai morrer!" e eu não entendi o que aquilo quis dizer na hora, achei que o tal menino estivesse no carro dele, mas não soubemos de outra vítima, então achei que fosse um delírio. Com o passar dos dias eu passei a ser perseguido pelo homem e pelo garoto. Percebi então que não era um pedido que o ele tinha feito - era uma ordem e ele queria que eu cumprisse. Amor, eu fui um covarde. Eu me escondi dele como pude, mas como que eu ia adivinhar que ele morava no apartamento do lado? Eu sei, eu devia ter te dito isso... Mas achei que as coisas iriam ficar bem... E deu nisso...
-Antônio morava nesse apartamento aí do lado? Tinha deixado a criança presa aí e nos últimos momentos de vida se arrependeu e pediu pra você a salvar?
-É. Fui amaldiçoado, querida, você entende isso? Ele vai me seguir pra sempre.
-E o que podemos fazer sobre isso?
Hugo abaixou a cabeça e depois de uns momentos me segurou pelo rosto, me beijou na testa e disse: "Eu te amo. Não sofra por mim." Saiu daqui e sumiu. Eu corri atrás dele, gritei, chorei, liguei pro celular, nada adiantou. Fui pra casa da minha mãe e dormi depois de não suportar mais a dor e o desespero.
Essa manhã eu soube... Deu nos jornais...
Hugo se jogou de uma ponte e acharam o corpo no porto.
Meu coração congelou... Não consigo mais sentir qualquer tipo de sentimento. Fui ao velório dele e recebi as condolências de todos, impassível, alheia. Algo dentro de mim morreu junto com ele.
E do perto do caixão, lá estavam eles... Antônio e o garoto.





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